24 outubro, 2007

"16 razões para não ter filhos"

É este um dos destaques na capa de uma revista completamente desnecessária, mas ao mesmo tempo extremamente divertida (exactamente pela sua capacidade de ser desnecessária), chamada Happy (edição de Outubro de 2007).
O artigo ronda um livro de uma escritora (as vezes custa-me dar nomes as coisas), Corinne Maier, que na ânsia de partilhar o seu “terrível” destino e talvez para ganhar uns trocos extra, escreveu um livro intitulado: “No Kids: Quarenta razões para não ter filhos” (apesar do titulo vir meio em inglês, meio em português, a senhora (com “s” pequeno) Rita Caetano, a senhora que escreveu o artigo (tenho relutância em apelida-la de jornalista), indica que o livro não tem ainda tradução em português) (ria-se quem quiser).


E, já não bastava o livro, temos agora também o artigo de revista.
O artigo vai-se desenrolando ao longo de 9 páginas, cheias de barbaridades, mulheres bonitas e muita publicidade a cremes de beleza e roupa que, ao que parece, só pode ser para “não-mães”!

Para além das razões pelas quais não devemos ter filhos, como: “Biberão ambulante”; “Fim do Divertimento”; “Fim do erotismo”; “Amigos Fogem”; “Produto de Luxo” ou “ Crianças sem futuro”, temos pelo meio testemunhos como: “Se há coisa que me incomoda é quando me telefonam da escola do meu filho e, em vez de me tratar pelo nome, referem-se a mim como a mãe do Miguel”. Dá para perceber a consternação e irritação desta mãe. Até parece que não vivemos num país civilizado. É claro que uma vez que não podemos mudar a maneira como nos tratam nas escolhas, o melhor mesmo é não ter filhos;

e outros que tais, como: “A minha filha de 24 anos é licenciada, mas a constatar pelos empregos precários que tem tido desde que terminou o curso, não lhe auguro um futuro coincidente com os seus sonhos e pelo qual fiz tantos sacrifícios”. Pois é.. a vida está tramada para os que não arranjam emprego. E cada vez está pior… é melhor começar desde já a não ter filhos, pois daqui a 30 anos, quando eles tiverem acabado o curso com média de 10 e muitas festas da praxe, não vão arranjar emprego;

E outros simplesmente estúpidos: “Agora que já passaram 10 anos, consigo perceber porque é que muitos dos meus amigos se afastaram de mim quando tive a minha filha. Estava tão feliz que não falava de outra coisa”. Bem, aqui confesso que me perdi um pouco. E ainda verifiquei se este testemunho estava bem colocado. Mas depois lá verifiquei que estava mesmo por baixo da razão: “Amigos Fogem”, e confuso, lá aceitei e compreendi que a solução é mesmo não ter filhos; que assim já não perdem os amigos que não querem partilhar da vossa felicidade….


Bem…. Isto acompanhado de afirmações do tipo:” Ter um filho é mais caro do que comprar uma viatura de luxo ou fazer um cruzeiro à volta do mundo” !!!!!!!!!Bem, esta nem me vou dar ao trabalho de criticar (o facto de se atribuir valor monetário a um filho), vou apenas dizer: “ e é mais barato que um vaivém espacial”, por isso, tenham filhos. (a argumentação é a mesma. Quem aceitar uma argumento tem de forçosamente aceitar o outro.)


Como pedra-de-toque, encontra-se para lá o seguinte texto:

“Se ainda não está convencida, Corinne Maier dá-lhe mais motivos para não ter filhos:

-Querer filhos não passa de uma banalidade idealizada por uma sociedade que julga as pessoas pelo emprego e pelo facto de se ter ou não ter filhos.
(Dona Corinne, certamente se consultou com sociólogos, antropólogos, psicólogos e outros das áreas para obter tais firmes observações. Isso não ponho em causa (nunca esqueçam o tom de ironia que circula nesta critica), mas… está a dizer também que os macacos, os peixes, as formigas e os cangurus só tem filhos porque há pressões sociais sobre eles?

-Quem não tem filhos não tem de pactuar com o mito da infância ideal.
(Certamente que não, e quem tem também não. Já alguma vez lhe ocorreu que a solução para um pneu furado, é trocar o pneu, e não, deixar de andar de carro?)

-A nossa sociedade vive obcecada pelos problemas da infância, daí que não seja de estranhar que assistentes sociais, pediatras e psicólogos desempenhem as funções dos pais e que sejam eles a ditar o modo como se deve cuidar de um bebé.
(Mais a frente diz que o sistema de ensino “é demasiado normativo” e não ensina as “crianças e os jovens a criticar e a questionar”. É você também uma vitima deste ensino? Nunca pensou em criticar e questionar? Mais, um dos outros problemas pela qual a sociedade vive obcecada (talvez porque também é um problema/situação grave e delicada) é o das fontes energéticas. E, quem devemos deixar que se dite as posições a tomar? Os engenheiros ou os consumidores? E quanto as doenças? Ouviremos nós os médicos ou os pacientes?)

-Ter filhos é deixar de pensar em si. Eles serão sempre a sua prioridade e toda a sua energia estará direccionada para eles e para as suas necessidades.
(Pois, e no seu caso, deixar de pensar em si, não seria mau de todo…. Uma das razões que defende (e que são apresentadas no artigo), é que uma mãe não pode progredir tanto na carreira como uma “não-mãe” (estranho argumento para quem também escreveu o livro “Bom dia, Preguiça! - a arte de fazer o menos possível em uma empresa”). Ora, porque não pode? Porque ao contrário da mãe, a “não-mãe” terá a “sua prioridade e toda a sua energia estará direccionada para” a carreira, enquanto que a mãe terá de se dividir. Visto bem o argumento, é melhor não nos entregarmos a uma carreira também, pois esta levá-la-á a “deixar de pensar em si”. E já agora, nem pense em arranjar uma relação amorosa estável.)

-As crianças dos países ricos são um desastre ecológico. É nos países desenvolvidos que se gastam dois terços das reservas energéticas globais.
(Será alguém incapaz o suficiente para aceitar este argumento como valido?Já agora porque não culpar as crianças dos homicídios? Se não tivessem nascido, não teriam morto. E da droga, e das guerras… Bem, realmente, a Corinne apresentar um solução nova: Se todos deixarmos de ter filhos, daqui a 100 anos, não haverá males no mundo. Ou pelo menos não estaremos cá para os ver)

Esta é genial:

-Os filhos obrigam os pais a procurar incessantemente a felicidade para os seus descendentes.(Confesso que este me deixou perplexo e sem saber o que dizer… a não ser: o quão doente é esta mulher?)

-Ter filhos na escola é pactuar com um ensino demasiado normativo que não ensina as crianças e os jovens a criticar e questionar.
(Bem, já me tinha referido a esta mais acima, e de certo modo também já respondi com a metáfora do pneu e do carro, mas deixo mais um exemplo: “Comer é pactuar com um sistema capitalista que abusa dos preços dos produtos para que as margens de lucros deles sejam gigantescas, por isso, vamos todos deixar de comer”)

-Para ser considerado um bom pai não se pode contrariar as crianças, sob pena de as traumatizar.
(Mas, afinal, que assistente, pediatra, ou psicólogo lhe disse isso? Sim, é porque acima já verificamos que foi vitima de um sistema de ensino que não a levou a criticar nem questionar (pois aceita tudo, e apenas o que os assistentes, pediatras e psicólogos lhe dizem).

-As crianças são perigosas. A palavra delas vale mais do que a de um adulto, apesar de também elas mentirem.
(Claro que são perigosas. Já sei isso desde que vi o “Silencio dos Inocentes”. O que? Nunca viu esse filme? Então o que lhe falta é um pouco de cultura.)


Bem, existem alguns outros argumentos presentes, mas começo a sentir que estou a perder tempo com isto, por isso nem os vou criticar. Acho que os leitores deste blogue perceberam bem a estupidez e contradição envolvidas…


Tolos estúpidos há muitos, o Hitler, o Bush, o Santana Lopes, mas esta… esta tem filhos. Sim, plural; filhos. Não sei porque, parece que não aprendeu com o primeiro.
Gostava de poder falar com esta senhora e perguntar-lhe se queria que lhe matasse ou tirasse os seus filhos. Provavelmente todos os seus problemas se dissolveriam de imediato (assim como alguns problemas mundiais também).


Queria aproveitar aqui para “agradecer” também a revista Happy, por este momento de lazer, e em especial a senhora Rita Caetano por este excelente artigo, completamente desnecessário e “afunilador” da mentalidade portuguesa. A si, muitas felicidades, e uma boa dose de vergonha pelo trabalho que tem feito.

2 comentários:

RD disse...

Pois é, Delc, ao seres tão eficazmente sarcástico e acutilante nas tuas críticas, deixas-me pouca margem para comentar o teu post!

Fiquei tão escandalizada ao saber que alguém foi capaz de escrever um livro assim e que outro alguém foi capaz de redigir um artigo sobre esse mesmo livro, que tenho dificuldades em acrescentar seja o que fôr a tamanha barbaridade! Como tu disseste e muito bem, são uma "escritora" e uma "jornalista"! E dificilmente podem ser chamadas desta forma por alguém com um mínimo de consciência e humandidade.

A ideia defendida (não ter filhos) é tão feia, irracional, ridícula e antinatural, que até custa a crer que uma pessoa com a inteligência suficiente para se licenciar, como a jornalista Caetano, se predisponha a dar-lhe eco. Isto traz-me uma dúvida importante. Como partidária da democracia que sou sou, acredito no direito que todos deveriamos ter de manifestar publicamente as nossas opiniões e difundir as nossas ideias. Contudo, parece-me saudável e natural perguntar se é legítimo permitirmos que algo assim, como este livro e este artigo, ande por aí à solta...

Qual seria a solução? Impôr uma censura? Hum... Não me agrada a ideia... No entanto, tão-pouco me agrada saber que haja gente por aí com uma eventual capacidade comunicativa tão boa, que consiga convencer alguns espíritos menos esclarecidos e/ou mais ingénuos de ideias tão disparatas como esta. Entenda-se: não estou a afirmar que a dita "escritora" seja capaz de ir longe nesta sua batalha pelo fim da humanidade; mas é verdade que ao longo da História temos sofrido as nefastas influências de alguns excelentes oradores... Claro que não podemos culpabilizar, apenas, esses grandes comunicadores de ideologias pelas desgraças decorrentes da prática das suas ideias ou das más interpretações delas derivadas. Mas o perigo existe efectivamente!

Parece-me que a única solução possível, neste caso, é combater com as mesmas armas e expôr os nossos argumentos em contra de tais ideias. Tem de haver gente que critique e demonstre o completo absurdo da posição destas mulheres!

E agora, deixa-me ser eu a sarcástica! Mulheres??!! Aceito que cada um faça o que bem entende com a sua vida, portanto, se não quiserem ter filhos, não tenham! Acontece que, na minha opinião, uma mulher nunca chega a completar-se sem ter um filho. Creio que nem sequer nenhum homem!

Chega uma altura na vida em que as pessoas se perguntam, naturalmente, sobre o fim dos seus dias e o significado da sua existência. O que eventualmente construimos ao longo da vida (seja uma casa, uma família, um império financeiro, uma filosofia, seja o que fôr!), vamos querer deixá-lo a alguém e quem não tem filhos, deixa-o a pessoas por quem nutre sentimentos que se aproximam aos de pais para filhos. Há sempre quem não construa nada na vida... Há sempre quem tenha filhos de sangue e continue sem ter a quem deixar o seu legado... Eu só me pergunto se há alguém neste mundo que não queira ter uma continuação de si mesmo num futuro que não chegará a conhecer! Talvez muitos ainda não tenham pensado nisso, mas esse tempo também chegará para eles...

Para terminar, gostaria de acrescentar um último adjectivo a essas duas “mulheres”: egoístas! Elas não sabem, nem querem saber valorizar a benção que é ter filhos!

culpa in abstracto disse...

querido delcompenetrado devo-te dizer que achei este teu post realmente brilhante. está de facto genial a forma como contra argumentas, acho mesmo que deverias mandar isto para a tal revista a ver passam um atestado de icompetencia à tal senhora em questao.

ja dizia o platao ha 2500 anos atras que nem todos somos dotados de inteligencia muito menos de pensamento valido, por isso o melhor para o bem comum seria mesmo alguns individuos dedicarem-se a actividades produtivas para todos como por exemplo a jardinagem dos malmequeres.

este caso chega a ser tao grave que deverias mesmo queixar-te a deco. ja sabes o qt adoro reclamar, ptt estarei tb eu aqui disponivel para exercer essa actividade tao nobre e humana ;p